Valquíria Rey
Direto de Roma
Ao santificar frei Galvão nesta sexta-feira, a Igreja Católica não só reconhece o primeiro santo brasileiro como dá prosseguimento ao ritmo frenético de canonizações que levou o departamento do Vaticano responsável por estes processos a ser conhecido como "fábrica de santos". Frei Galvão será o santo de número 493 dessa "fábrica", iniciada durante o papado de João Paulo II, que em seus 26 anos de pontificado reconheceu 483 santos.
Se depender do cardeal português José Saraiva Martins, prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, o papa Bento XVI deve seguir o exemplo de seu antecessor. Com frei Galvão, ele terá canonizado dez religiosos.
"O mundo de hoje tem tanta necessidade de santos como uma cidade que sofre com a peste precisa de médicos", afirmou Martins à BBC Brasil. "O santo é o homem que viveu a plenitude da sua humanidade."
Para se ter uma idéia do ritmo acelerado das canonizações de João Paulo II e Bento XVI, basta saber que dos 800 santos da Igreja Católica, 493 foram canonizados nos últimos 29 anos. Só João Paulo II canonizou em 26 anos mais do que todos os outros papas juntos nos últimos 400 anos.
O número de beatificações do atual papa e do seu sucessor também é impressionante: João Paulo II beatificou 1.345 religiosos, enquanto Bento XVI, desde 2005, já beatificou outros 49.
O recorde estabelecido pelo pontificado de João Paulo II deu o apelido de "fábrica dos santos" à congregação, que decide quem deverá ser beatificado ou canonizado.
Mas Saraiva Martins não gosta da classificação. "É uma expressão muito infeliz dizer que esta congregação é uma fábrica de santos. Não é", disse. "Os santos não se fabricam. É Deus quem os faz. O homem chega a ser santo pela força da graça de Deus."
Segundo o cardeal, estão na fila mais de 2,2 mil causas de beatificação e canonização. A velocidade dos processos com o papa Bento XVI tem sido a mesma da época de João Paulo II.
"Não mudou nada. É tudo igual", disse Martins. "Nestes dois anos do pontificado de Bento XVI, foram beatificados 49 e já foram canonizados nove beatos. Com o beato brasileiro frei Galvão, serão dez". Em junho, serão realizadas outras três canonizações em Roma, na Itália.
Polêmicas na escolha
A polêmica no trabalho da congregação não se limita à quantidade de santos. O escritor e especialista em Vaticano Ettore Masina reclama dos que furam a fila e dos santos escolhidos a dedo em ocasiões especiais. "Quando o papa vai visitar um país onde nunca esteve, ou que ainda não tem um santo, a congregação agiliza o processo de um nome local", afirmou Masina.
"Desta vez, o Papa vai canonizar o primeiro santo nascido no Brasil. O que me escandaliza profundamente é que, com toda a história que o Brasil tem, sobretudo nos últimos anos, se recorra a uma pessoa nascida há mais de 200 anos para falar de santidade no Brasil."
Segundo Masina, que considera João XXIII o mais santo de todos os papas, o caso mais escandaloso levado adiante pela congregação foi o da canonização extremamente rápida de Josemaria Escrivá de Balaguer ¿ ele morreu em 1975, foi beatificado em 1991 e canonizado em 2002.
Uma demonstração, de acordo com ele, de como a Opus Dei, fundada por Balaguer, pode não apenas manipular a mídia, mas pressioná-la a ponto de levá-lo imediatamente à santificação.
Outro exemplo polêmico, diz Masina, é o do monsenhor Oscar Romero, morto há 27 anos enquanto celebrava uma missa em El Salvador. "Romero é venerado na América Latina e considerado um modelo de santidade na Europa", disse. "Mas representa uma linha de pensamento mais progressista dentro da Igreja. Enquanto o conservadorismo continuar imperando, o dossiê dele não irá adiante."
"Uma honra"
O padre Ricardo Dias Neto, editor da versão brasileira do jornal oficial do Vaticano, diz que é uma honra um brasileiro ter chegado à santidade. "Se ele conseguiu, outros podem conseguir", afirmou. "É importante ser santo. A vocação do cristão é uma vocação à santidade."
O prefeito da Congregação para as Causas dos Santos revela que o custo de um processo de canonização é de cerca de 14 mil euros (quase R$ 38 mil), incluindo honorários de médicos, teólogos e bispos que estudam e julgam as causas.
Saraiva Martins diz que o número de causas com a documentação pronta para ser discutida e examinada são mais de 400. O cardeal português conta com uma equipe fixa de 30 pessoas (cardeais e bispos), além de 72 consultores contratados, entre teólogos, juristas e historiadores, e de 70 médicos. Cabe aos cardeais e bispos discutir os relatórios elaborados pelos especialistas. O veredicto sobre uma beatificação ou canonização é dado pelo Papa.
O caminho tem três etapas: confirmação das virtudes heróicas do candidato, beatificação e canonização. É necessário a confirmação de um milagre para a beatificação, e outro para a canonização, salvo no caso de mártires.
BBC Brasil
(Costa)
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