sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Supremo reage e nega pressões externas na votação

MENSALÃO

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Ellen Gracie Northfleet, divulgou nota nesta quinta-feira em que ressalta que o tribunal "não permite nem tolera que pressões externas interfiram em suas decisões" e reafirma "a dignidade da Corte, a honorabilidade de seus ministros e a absoluta independência e transparência dos seus julgamentos". O texto é uma resposta à reportagem do jornal "Folha de S.Paulo", que mostrou uma conversa telefônica em que o ministro Ricardo Lewandowski diz que o STF "votou com a faca no pescoço" e que "a imprensa acuou o Supremo" no julgamento que aceitou a denúncia contra 40 acusados de envolvimento com o esquema do mensalão.

Na noite desta quinta-feira, em entrevista ao jornal 'O Globo', Lewandowski justificou o que quis dizer quando falou em estar com a "faca no pescoço

""Na verdade, o que quis dizer foi que eu é que estava com a faca no pescoço, e era gelada. Não cometi nenhum crime, nenhuma ilegalidade. Sinceramente, me considero vítima de uma invasão de privacidade. As coisas acontecem. Eu podia estar no avião da TAM. É a lei de Murphy. Quando uma coisa tem que dar errado, dá tudo errado. Estou pagando o preço de expressar uma posição jurídica que não refletia os anseios da opinião pública. Não estou sendo bem compreendido das motivações que tive ao pronunciar meu voto. Seria muito mais confortável para mim dizer “acompanho o relator”. Não faz parte da minha história. Espero que a imprensa me dê o benefício da dúvida.

Ao chegar para a sessão desta quinta, outros ministros do Supremo reagiram com indignação à idéia de que estariam sofrendo pressão externa. Carlos Ayres Britto falou em tom de desafio."

Está para nascer alguém que coloque uma faca no meu pescoço para decidir alguma coisa. Estão perdendo tempo", disse.

Já o vice-presidente do tribunal, Gilmar Mendes, afirmou que o STF é imune à pressão da imprensa:"Todos os dias julgamos questões extremamente sensíveis do ponto de vista político, e não estamos preocupados com a opinião dos senhores (jornalistas)".

Ele disse que nunca votou - na expressão de Lewandowski - "com a faca no pescoço": "Puxa vida, o que é isso? Nem agora nem em nenhum outro momento. É uma característica forte do tribunal não ceder a esse tipo de pressão".

O ministro Marco Aurélio de Mello também reagiu a Lewandowski e disse que conversou com o colega:"Ele estava constrangido, muito aborrecido. Se o que está no jornal for de absoluta procedência, temos um pecadilho lamentável. Se ele se referiu a todos, ele se inclui. Que ele não tenha nos julgado por ele próprio".

Declarações de Lewandowski poderiam subsidiar a defesa dos réus

Marco Aurélio admitiu que as declarações de Lewandowski podem subsidiar a defesa dos réus no mensalão em recursos para tentar anular o resultado do julgamento:"Se será um gancho profícuo em termos de insubsistência da decisão é o que nós precisaremos ver posteriormente. Só espero não ter que repetir os cinco dias (de julgamento)".

Outro a negar com veemência ter votado sob influência externa foi o ministro Eros Grau, cujo voto fora posto sob suspeita na troca de e-mails entre Lewandowski e Cármen Lucia, semana passada.

"Ninguém ousou (colocar uma faca no meu pescoço), eu sou muito grande. Foi um julgamento histórico, transparente e translúcido. Não há o que questionar. Há mais de cem anos o tribunal decide assim. Cumprimos o nosso dever, só isso", disse Grau.

Com o clima tenso, a segurança do Supremo chegou a isolar a entrada dos ministros com um cordão para afastar os jornalistas, mas depois mudou de idéia. Em meio à confusão, o novo integrante da Casa, Carlos Alberto Direito, apareceu para ver os futuros colegas, mas novamente se recusou a comentar a nomeação para a Corte.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, minimizou a divulgação da conversa de Lewandowski. Segundo Tarso, os ministros do Supremo não sofreram nenhum tipo de pressão além do normal em casos de grande repercussão pública.

"Não creio que tenha havido pressão política para condenar ou absolver. Isso é feito pelos advogados. Todo julgamento que tem grande repercussão social sofre sim um efeito daquela opinião que se forma na sociedade, portanto, da opinião pública. O julgador filtra essa pressão, integrado com o dispositivo jurídico que tem que aplicar", disse.

Tarso disse desejar que o STF julgue a ação antes de 2010, quando será eleito o sucessor do presidente Lula. Segundo ele, imaginar que o julgamento vá demorar mais de três anos é desmerecer o esforço dos ministros:"Não creio que o julgamento demore tanto. Seria até um desmerecimento ao esforço dos ministros até agora para fazer um processamento rápido do inquérito e fazer a denúncia. Espero que isso não ocorra".

Dirceu: "O julgamento, no mínimo, está sob suspeição

"Mais cedo, em sua primeira entrevista depois de ter se tornado réu, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu colocou em suspeição o julgamento do mensalão pelo Supremo exatamente por causa da reportagem publicada pela "Folha". Ele disse temer pelo resultado final do seu processo na Corte no futuro. ( Confira a lista de todos os que vão responder a processo)

De acordo com o jornal, Lewandowski teria dito que a decisão da corte seria outra, antes de o jornal "O Globo" revelar uma troca de e-mail entre ele e a ministra Cármen Lúcia. Nos e-mails, há indícios de que os dois ministros pretendiam rejeitar parte da denúncia, desqualificando crimes imputados pelo Ministério Público a alguns dos acusados.

"O julgamento, no mínimo, está sob suspeição. Quem me dá garantia que vou ser julgado, daqui a dois anos, seguindo apenas a Constituição? Estou perplexo, estupefato e quase em pânico. Isso é impensável em qualquer país", afirmou o ex-ministro, que garantiu temer pelo seu futuro e a influência da imprensa sobre as decisões do Judiciário:

"Estamos caminhando para a ditadura da mídia no país", protestou.

Dirceu responderá pelos crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha. O ex-ministro, no entanto, disse que não pretende tomar nenhuma medida judicial para anular a decisão do STF. Ele espera que o próprio tribunal avalie a relevância das declarações de Lewandowski.

"Não há culpabilidade como deixaram claro todos os ministros do Supremo. Eu preferia estar servindo ao país, seja como dirigente do PT; ou como parlamentar; ou como membro do governo que ajudei a eleger e reeleger. Mas a realidade é outra", disse.

O ex-ministro voltou a afirmar que é inocente e que conseguirá responder a todas as acusações feitas pelo procurador-geral da república, Antônio Fernando de Souza

Quaisquer indícios, provas e denúncias de que eu tenha participado ou omitido, não de mensalão porque não houve e nem desvio de dinheiro público porque não está provado, e em todo o processo que levou ao chamado 'valerioduto', envolvendo recursos para campanha e para dívidas de campanha, o que chamamos de caixa dois no Brasil, não há provas de que eu tenha participado", afirmou.

Dirceu disse ainda que desistiu de fazer uma campanha para pedir a anistia da cassação do seu mandato de deputado federal, ocorrida no final de 2005 em função do escândalo.

Réus devem ser notificados em duas semanas

Os 40 réus do mensalão devem receber em duas semanas a comunicação do Supremo de que terão que responder a processo.

"O Tribunal já sinalizou que vai imprimir preferência à tramitação desse processo", afirmou Marco Aurélio.

Ministério Público investiga embrião do mensalão

Em uma outra frente, o Ministério Público está na fase final de investigação do que o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, chamou de embrião do mensalão: o esquema de Marcos Valério com o PSDB para financiar a campanha do então candidato ao governo de Minas Gerais, Eduardo Azeredo, em 1998. O Ministério Público vai decidir se oferece ou não denúncia contra os investigados.

Procurador diz que já tem novas provas

O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, afirmou nesta quarta-feira que tem novas provas contra os 40 acusados que viraram réus. São oito novos grupos de documentos, como perícias nos papéis do BMG e do Banco Rural que, segundo o MP, comprovam o caminho do dinheiro que abastecia o mensalão. Os recursos passavam pelas empresas de Marcos Valério e chegavam aos beneficiários, deputados da base do governo.

O MP conseguiu ainda uma perícia que comprovaria o desvio de dinheiro público da empresa Visanet - que tem a participação do Banco do Brasil - para o esquema do mensalão. A pedido do banco estatal, pelo menos R$ 39,5 milhões foram pagos à DNA Propaganda, de Marcos Valério, por contratos de publicidade cujos serviços não foram totalmente comprovados. O laudo comprovaria que parte destes recursos foi parar nas mãos dos "mensaleiros":

Os novos documentos, que não foram incluídos na denúncia, apresentada em abril de 2006, porque só ficaram prontos depois, serão encaminhados ao Supremo. Para Antonio Fernando as provas são suficientes para que todos sejam punidos.

Enquanto o procurador arregimenta novas provas contra os acusados, os advogados dos réus têm pressa e prometem não retardar o andamento do processo, na esperança de seus clientes serem absolvidos por falta de provas.

Antonio Fernando não arriscou prognóstico quanto à duração do processo, em que serão ouvidos os 40 réus e as testemunhas de defesa e as de acusação.

Crime de formação de quadrilha pode prescrever em 2011

Ao mesmo tempo em que o MP procura se cercar de novas provas, o STF precisa correr contra o tempo para evitar a prescrição dos crimes antes mesmo de irem a julgamento. A maior preocupação é quanto aos investigados por crime de formação de quadrilha. Se até agosto de 2011 o tribunal não levar a julgamento o caso do mensalão, parte dos réus pode ficar imune à punição.

O Código Penal prevê pena de 1 a 3 anos de prisão para condenados por formação de quadrilha. Como os réus investigados no processo do mensalão são primários, a tendência é de que, se forem condenados, será aplicada pena próxima à mínima. Se isso for confirmado, a prescrição ocorrerá quatro anos após a abertura do processo - ou seja, em 2011. Para outros crimes incluídos no inquérito os prazos são maiores.

Lula diz que o julgamento dele foi feito nas urnas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou pela primeira vez na quarta-feira sobre a decisão do STF de aceitar a denúncia contra os 40 acusados pelo mensalão. Lula afirmou que a decisão do tribunal demostra fortalecimento da democracia no país, e que o resultado final do julgamento irá separar os culpados dos inocentes. O presidente também mandou um recado à oposição, dizendo que a tentativa de vinculá-lo ao escândalo não vai dar certo.

"Eles (oposição) tentaram me atingir e 61% do povo deu a resposta na eleição do ano passado. Eles sabem perfeitamente bem o que é um processo. Eu, ao mesmo tempo em que assisto às decisões do Supremo, sem poder dar palpite, sei que o que aconteceu é uma demonstração de que no Brasil as instituições estão funcionando. Quem tiver culpa pagará o preço e quem não tiver será inocentado", afirmou Lula depois da solenidade de lançamento do relatório oficial do governo sobre mortos e desaparecidos na ditadura militar (1964-1985).

Da Agência O Globo

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