Exibição de Tropa de Elite, na noite de abertura, desencadeia debate - assistir a DVD pirata é ser conivente com o crime
Luiz Carlos Merten
Mariana Ximenes enrolou-se toda na cerimônia de abertura do Festival do Rio 2007, no Cine Odeon BR, quinta-feira à noite. Mariana tentou três vezes e não conseguiu dizer a palavra 'consolidar', numa frase que destacava justamente que o Festival do Rio já está consolidado como grande evento do audiovisual na América Latina. A seu lado, dividindo a condução da noite, Ney Latorraca fez gracinha - ao anunciar que o festival sedia o Market Rio, maior mercado de filmes do País, ele começou a falar americanizado. A platéia adorou. Há um jeitinho carioca de ver o mundo, ou resolver os problemas, pela via do humor. O Festival do Rio decolou humorado, mas logo veio o impacto de Tropa de Elite, o filme da abertura, e aí o tom mudou.
Walkiria Barbosa - diretora-executiva de 'mercado' do Festival do Rio; Ilda Santiago é a diretora-executiva de programação, responsável pela parte 'artística' - transformou a cerimônia num ato de afirmação contra a pirataria. 'Esta é a maneira correta de ver um filme', ela disse (e repetiu), apontando para a telona. 'Pirataria é crime; assistir a DVDs piratas é ser conivente com o crime.' É um pouco o discurso do próprio filme de José Padilha. Tropa de Elite traz notícias de uma guerra particular (para pegar carona no título do documentário famoso de João Moreira Salles) - polícia versus tráfico, não necessariamente mocinhos contra bandidos. A violência urbana, em todo o seu horror.
Numa cena impactante, Wagner Moura, na pele do capitão do Bopa (Batalhão de Operações Especiais), irrompe na favela e mata a sangue-frio um dos traficantes. Depois ele pega o boyzinho de classe média, chafurda o nariz dele no sangue do traficante morto e pergunta quem matou. O garoto tenta safar-se - 'Não vi, não sei.' Wagner o esbofeteia e grita - 'Foi você.' A polícia, no caso, está fazendo o serviço sujo do topo da pirâmide social brasileira, que alimenta o tráfico para consumir drogas, mas, no fundo, acha-se vítima da violência que não deixa de patrocinar.
Em Cidade de Deus, há cinco anos, Fernando Meirelles filmou a violência urbana do ângulo dos traficantes. José Padilha já filmou a violência do ângulo dos excluídos - no documentário Ônibus 174, a intervenção policial terminava sendo desastrosa. Agora, a ficção. Wagner Moura comanda essa divisão do Bope. O capitão pode ser excepcionalmente bom no que faz - mata, tortura e combate o tráfico com a mesma truculência que dedica aos colegas corruptos -, mas paga um preço por isso. Sua vida está em frangalhos e, para reconstituir a família, ele busca um sucessor. O filme descreve o processo que forja um homem para a batalha.
Talvez o grande problema de Tropa de Elite não seja o filme em si, mas algo que escapa ao controle do diretor - a reação do público. Padilha diz que quis fazer um filme contra o tráfico e crítico do Bopa. Não é assim que o público recebe a história. O capitão de Wagner Moura é o mocinho. O público aplaude quando ele mata. Podem-se fazer muitas críticas a Tropa de Elite - o filme espetaculariza a violência, é o retrato pessimista de uma sociedade desumanizada. Mas ele é espetacularmente realizado - fotografia de Lula Carvalho (Walter que se cuide...), montagem de Daniel Rezende, atuação poderosa de Wagner Moura. O problema é o mesmo que já existia no Ônibus, com todos aqueles especialistas que analisavam tudo (e conduziam nosso olhar). O filme é narrado em off, do ângulo do capitão. Tudo o que ele diz justifica a violência do Bopa. O que a atenua é a sua crise pessoal. José Padilha, de alguma forma, fez O Clube da Luta do cinema brasileiro, com machismo e tudo. Filtrou-o por Butch Cassidy (o desfecho, em que o tiro decisivo fica em suspense, como no western com Paul Newman e Robert Redford). O filme vem para polemizar. Estréia dia 12, mas, para cumprir o cronograma da Academia de Hollywood, que exige que tenha sido lançado no país de origem até uma certa data, para habilitar-se para o Oscar de melhor filme estrangeiro, entrou ontem, em apenas uma sala, em Jundiaí, interior de São Paulo.
O repórter viajou a convite da organização do festival
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