Enfim, a regra ficou clara: a contar de 27 de março último, nenhum deputado federal, estadual ou vereador poderá deixar impunemente a legenda pela qual se elegeu para ingressar em outra, a menos que o migrante prove que mudou de sigla porque a sigla mudou de linha ou porque ele vinha sendo perseguido politicamente pelos então correligionários. A punição é a perda do mandato. A data a partir da qual vale a nova norma, aprovada no fim da noite de anteontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por 8 votos contra 3, é aquela em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pela margem ainda maior de 6 votos em 7, entendeu que os mandatos obtidos em eleições proporcionais (o que exclui os de presidente, senador, governador e prefeito) pertencem aos partidos e não aos eleitos.
A lógica dessa posição salta aos olhos pela razão elementar de que a legislação brasileira não admite candidatos avulsos - sem falar que os eleitos se beneficiam dos votos dados a todos os candidatos da agremiação e do voto na legenda. Ao referendar o ato do TSE o Supremo deu um basta, desde logo no plano normativo, à praga do troca-troca partidário. A causa primeira da infidelidade, ninguém ignora, é o adesismo ao governo de turno, o que desfigura o sistema de partidos e trai o princípio da representação popular. Ainda mais quando o adesismo é despudoradamente incentivado pelo Executivo, com ofertas de cargos em profusão na administração direta e indireta e de facilidades no acesso às verbas das emendas parlamentares ao Orçamento que os trânsfugas vierem a apresentar.
O costume nefasto chegou ao cúmulo na era Lula. Os operadores do Planalto não apenas se habituaram a avançar sobre as bancadas da oposição, como se fossem reservas de caça do Planalto, mas ainda por cima indicavam aos seduzidos - o termo certo seria subornados - as siglas às quais deviam se filiar. E foi essa deslavada política predatória que levou o DEM, o PPS e o PSDB, depois que o lulismo capturou 23 dos seus deputados, a reivindicar na Justiça Eleitoral o direito de reaver as vagas perdidas, promovendo igual número de suplentes. Com isso, naturalmente, os trânsfugas perderiam as suas cadeiras. Quando a questão da titularidade dos mandatos subiu ao STF e à medida que ficou nítida a tendência da Corte, temeu-se por um conflito aberto entre o Legislativo e o Judiciário.
Pois, entre a proclamação dos resultados eleitorais de 2006 e a semana passada, 45 deputados federais tinham virado casaca (alguns, mais de uma vez). A possibilidade de que 1 em cada 8 membros da Câmara dela fosse alijado, quem sabe sumariamente, inquietou os políticos a ponto de levá-los a manter conversações privadas com tantos ministros do Supremo quantos se dispusessem a ouvi-los. Não é de excluir que isso tenha pesado na decisão de limitar o elenco dos cassáveis aos 15 que desdenharam da cristalina manifestação do TSE, trocando de partido como se nada tivesse acontecido. O seu destino, conforme o rito processual que os juízes eleitorais se preparavam para divulgar ainda ontem, dependerá, em primeiro lugar, dos partidos prejudicados.
Se, por qualquer razão, não tomarem a iniciativa de pedir as vagas de volta, os que as detinham continuarão no exercício do mandato. Se pedirem, os infiéis terão direito à defesa. Se alegarem que trocaram de agremiação porque aquela da qual saíram já não era a mesma de quando entraram, estará criada uma situação sem precedentes: a Corte Eleitoral no papel de árbitro da coerência programática ou doutrinária dos partidos brasileiros. E, se a alegação for de perseguição política, o seu papel será de corregedor dos procedimentos internos em cada sigla.
É claro que cada processo poderá durar uma eternidade. E fácil imaginar a quantidade de recursos que seriam impetrados por deputados estaduais e vereadores nos tribunais regionais eleitorais. Mas a distância entre a fixação da norma moralizadora e o seu cumprimento, caso a caso, não torna menos singular a decisão do Supremo Tribunal Federal.
Por si mesma e porque o novo cenário dela surgido tem o potencial de empurrar os parlamentares a fazer, afinal, a reforma política. Sem o que a Justiça continuará a legislar topicamente nessa matéria, no lugar do omisso Congresso Nacional.
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