A edição 2012 da revista Veja, disponível na internet desde as primeiras horas deste sábado (9), traz novos embaraços para o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), 51 anos. Em entrevista ao repórter Policarpo Junior, a jornalista Mônica Veloso (foto) revela detalhes do seu relacionamento financeiro com o senador, com quem tem uma filha de três anos.
Mônica conta que jamais se preocupou em questionar Renan sobre a origem dos recursos usados para lhe pagar a pensão, que ela começou a receber no início de 2004. Simplesmente apanhava o dinheiro com Cláudio Gontijo, lobista da construtora Mendes Júnior, em espécie e quase sempre no próprio escritório da empresa em Brasília. Ela acrescenta que Renan nunca lhe disse que bancava os pagamentos com meios próprios.
Embora a jornalista fosse vista como possível fonte da primeira matéria sobre o tema, publicada também por Policarpo há duas semanas, na nova reportagem, ela confirma os relatos anteriores de Veja, sobretudo a informação de que o lobista de uma grande empreiteira era o responsável pelo pagamento de gastos pessoais do presidente do Senado.
Renan, como se sabe, alega que o dinheiro era seu e, à falta de provas para atestar a origem dos recursos entregues a Mônica entre 2004 e 2005, apresentou documentos com o objetivo de mostrar que possuía à época capacidade financeira para arcar com os valores repassados à jornalista – os quais, por um bom período, passaram de R$ 12 mil mensais.
No Senado, como se sabe, Renan é cortejado com a solidariedade de parlamentares de diversos partidos, do governo e da oposição. O corregedor da instituição, senador Romeu Tuma (DEM-SP), chegou praticamente a absolvê-lo por antecipação, declarando de público que não via nenhuma razão para condenar o comportamento do colega. Ecoa, ainda, em um Congresso pouco interessado em lançar luz sobre as ligações entre seus integrantes e o capital privado, a ameaça implícita no final do aplaudido discurso feito pelo senador alagoano no último dia 28:
“Fora do campo pessoal, reafirmo, como presidente do Senado, meu compromisso de apoio integral à investigação, dentro da lei, especialmente pelo Congresso Nacional, sobre todas as denúncias que envolvam as relações de empresas e empresários com os integrantes do Legislativo e o Executivo."
O recado foi compreendido, e é uma das duas principais razões pelas quais tantos parlamentares se recusam a assinar o requerimento de criação da chamada CPI da Navalha (leia mais). A outra é a firme disposição do governo Lula de ajudar Renan Calheiros a se livrar das atuais dificuldades. O senador também contabiliza em seu favor o apoio da mulher, Verônica, que assumiu abertamente sua defesa e repete a estratégia do marido de tratar o caso como invasão de privacidade e não como o sinal de que o presidente do Congresso mantém, ou manteve, relacionamento impróprio com um representante de empresa cujo sucesso depende da obtenção de contratos públicos.
Tantos aliados fortes e o clima favorável no Parlamento não garantiram até agora sossego a Renan, contra o qual o Conselho de Ética do Senado aceitou na última quarta-feira pedido de abertura de processo disciplinar, proposto pelo Psol. A reportagem de Veja complica um pouco mais as coisas para o senador.
PRINCIPAIS TRECHOS
Brindada com a capa da revista, a reportagem é nela anunciada com o seguinte texto: “Renangate – As revelações de Mônica Veloso – ‘Os advogados de Renan apareceram com duas sacolas de dinheiro’ – A intimidade do lobista com as finanças de Renan”. Nas páginas internas, a matéria tem o título “Dinheiro era sempre com Cláudio”. Mônica Veloso, 38 anos, que foi apresentadora de um telejornal local da TV Globo em Brasília antes de se tornar sócia de uma produtora de vídeo, diz que resolveu falar porque está sendo tratada por alguns como uma “pessoa desclassificada”, “uma chantagista”.
Veja observa na matéria, que teve a participação de Otávio Cabral, que a análise dos extratos bancários de Renan demonstra que “os saques em dinheiro quase nunca conferem com as datas em que a jornalista recebia os recursos”. Apresenta como “caso mais gritante de descompasso” os mais de R$ 40 mil entregues por Gontijo a Mônica em 15 de março de 2004: “Na primeira quinzena de março daquele ano, Calheiros fez cinco saques em dinheiro de sua conta no Banco do Brasil. Somam 18.550 reais”.
Seguem os principais trechos da entrevista que Mônica Veloso deu ao repórter Policarpo Junior:
"A senhora recebia dinheiro das mãos do lobista Cláudio Gontijo?
Sim, recebi durante quase dois anos.
Quando foi a primeira vez?
Foi entre fevereiro e março de 2004.
Os pagamentos seguiram até quando?
Até novembro de 2005.
O dinheiro pertencia a quem?
Não sei. Renan está dizendo agora que o dinheiro era dele, mas ele nunca me disse isso antes.
A senhora perguntou?
Não, eu recebia uma pensão e não fazia sentido perguntar de onde vinha o dinheiro. Isso parece importante agora por causa desse turbilhão, mas para mim não era. Eu pegava o dinheiro com o Cláudio e ponto. Não ia ficar questionando.
A senhora falava de dinheiro com o senador?
Nunca falávamos de dinheiro. Assunto de dinheiro era sempre com o Cláudio.
Onde a senhora pegava o dinheiro?
Na maioria das vezes, era no escritório da Mendes Júnior. Mas houve várias formas. Nos últimos meses da gravidez (a criança nasceu em julho de 2004) e no período do resguardo, o Cláudio me entregava os envelopes com dinheiro na minha casa, na minha produtora... Mas, depois disso, eu ia buscar o dinheiro na Mendes Júnior e o depositava na minha conta. Não tenho o costume de guardar dinheiro debaixo do colchão.
A senhora pegava o dinheiro na portaria do edifício da Mendes Júnior ou entrava no escritório?
Eu chegava ao prédio e me identificava na portaria. Eles anotam nome, identidade, hora e a sala aonde você vai. Se eles guardaram esses registros, é só conferir que minhas entradas estarão todas lá. Eu pegava o elevador até o 11º andar. Lá, me anunciava no interfone e a secretária abria a porta do escritório.
Como era repassado o dinheiro?
Cláudio me recebia na sala dele e me entregava o envelope. Alguns envelopes tinham o logotipo da Mendes Júnior.
O dinheiro não era depositado na sua conta?
Não, eu sempre pegava um envelope com dinheiro vivo.
A senhora disse que começou a receber dinheiro das mãos de Cláudio Gontijo entre fevereiro e março de 2004.
Qual foi esse primeiro pagamento? Eu estava deixando o apartamento onde morava e alugando uma casa no Lago Norte. Ficou combinado que o aluguel de um ano seria pago adiantado. O Cláudio foi ao edifício onde eu ainda morava e me deu um envelope com o dinheiro.
Quanto?
Salvo engano, 40 000 reais. Fui à imobiliária e paguei o ano inteiro do aluguel.
Que outros valores o lobista lhe repassava?
Na mesma data em que me mudei para a casa do Lago Norte, acertamos que as despesas decorrentes da mudança seriam de 8 000 reais por mês.
Com quem a senhora fez esse acerto?
Com o Cláudio e o Renan. Depois disso, o Renan nunca mais tocou em assunto de dinheiro. Quero deixar claro que a pensão não foi estabelecida para me sustentar. Sempre tive uma boa condição financeira. Tenho minha empresa de comunicação, tinha contrato com órgãos importantes do governo. Os 8 000 reais foram acertados para me adaptar às novas circunstâncias de uma gravidez que devia ser mantida com discrição. Eu morava num apartamento que me pertence até hoje e fui morar numa casa alugada para fazer essa adaptação.
A senhora sempre recebeu 8 000 reais?
Nem sempre. Houve um período em que o Cláudio pagou 2 800 reais de despesas com uma empresa de segurança. Essa despesa apareceu logo depois do parto da minha filha. Eu estava recebendo telefonemas com ameaças anônimas. Fiquei com medo, procurei o Renan e ele me orientou a tratar com o Cláudio. Eu fiz um levantamento das empresas e o Cláudio ficou com a parte financeira.
O contrato da casa no Lago Norte era por três anos.
Por que a senhora saiu depois de um ano? Porque as ameaças não pararam. Em março de 2005, resolvi alugar um apartamento, onde sentisse mais segurança.
Gontijo pagava esse aluguel?
Sim, era de 4 000 reais. De março de 2005 em diante, ele me entregou a pensão e o aluguel. Os envelopes passaram a ter 12 000 reais. Isso durou até novembro de 2005.
Em dezembro de 2005, o senador reconheceu a paternidade de sua filha e passou a pagar pensão de 3 000 reais.
Por que o valor caiu de 8 000 para 3 000? Porque o salário do Renan no Senado era de 12 000. Ele não podia pagar 8 000 de pensão e 4 000 de aluguel.
Mas o senador tem rendimentos agropecuários.
Não posso revelar mais detalhes sobre isso porque o processo judicial é sigiloso. Posso dizer que ele pagou 3 000 reais, descontados na folha salarial, até maio de 2006, quando fizemos um acordo. Como antes eu recebia 12 000 e passei a receber só 3 000, tinha uma diferença. Renan concordou em pagar 100 000 reais.
Os 100 000 reais não eram um fundo de educação para a filha de vocês?
Nunca houve esse fundo. Os nossos advogados chegaram a um acordo para compensar a diferença. Os advogados de Renan pediram que no recibo saísse que era um fundo. Na verdade, nunca foi isso. Eu não tinha outra opção. Ou aceitava isso ou não recebia nada. Não havia razões para rejeitar. O pagamento foi feito em duas parcelas de 50 000 reais, em dinheiro vivo.
Por que dinheiro vivo?
Os advogados dele [refere-se ao senador] é que apareceram com duas sacolas de dinheiro...
Até quando a senhora se encontrou com o senador?
Nossa relação durou até dezembro de 2005.
Então, se o senador quisesse, até dezembro de 2005, ele mesmo poderia lhe entregar o dinheiro?
Nós nos encontramos até dezembro de 2005. Foram três anos de uma relação intensa, que começou quando ele ainda era líder do PMDB (o senador foi líder do partido de fevereiro de 2001 a fevereiro de 2005) e continuou depois que foi eleito presidente do Senado. Até dezembro de 2005, quando houve o reconhecimento da paternidade, foi uma relação tranqüila e, ao contrário do que disseram, não era eventual.
Mas então o senador poderia lhe repassar dinheiro sem recorrer ao lobista?
Ficávamos a sós, se é isso que você quer saber.
Qual é a sua relação com Gontijo?
Nenhuma. Não somos amigos. Conheci o Cláudio por meio do Renan em meados de 2003. Nunca o tinha visto antes. Ele não é da minha área, que é comunicação, publicidade. Depois de novembro de 2005, quando a pensão passou a ser paga com desconto no salário do Renan, o Cláudio sumiu. Nunca mais trocamos nem um telefonema."
A Justiça do Direito Online
Sylvio CostaCongresso em Foco
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