O homem que ficou conhecido no Ocidente como ‘Ali, o Químico’, mas a quem os curdos iraquianos chamavam ‘Carniceiro do Curdistão’, foi ontem condenado à morte por enforcamento. Ali Hassan al-Majeed, primo de Saddam Hussein – durante a ditadura do qual desempenhou inúmeros cargos políticos e militares –, foi considerado responsável pelo planeamento de uma campanha de extermínio da população curda do norte do Iraque, nos anos 80, com recurso a armas químicas.
O Tribunal Especial para o Iraque deu como provado que as ordens de utilização de armas químicas, nomeadamente gás mostarda e gás de nervos, foram emitidas por al-Majeed.
O extermínio de curdos realizado entre 1986 e 1989 ficou conhecido como Campanha de Anfal e atingiu o ponto culminante em 1988. Foi nesse ano, entre 15 e 19 de Março, que teve lugar o massacre de Halabja (que alguns separam da Campanha de Anfal), no qual perderam a vida pelo menos cinco mil dos 80 mil habitantes da cidade. A utilização de armas químicas, neste e outros ataques a localidades curdas, motivou a alcunha dada a al-Majeed.Independentemente dos cargos que desempenhasse, ‘Ali, o Químico’ era conhecido pela especial crueldade, o que lhe terá valido tornar-se o principal responsável do planeamento e execução das acções repressivas e punitivas do regime.
Para além do genocídio dos curdos, teve ainda papel de relevo na repressão violenta das rebeliões de curdos e xiitas durante a guerra civil de 1991, após o fim da Guerra do Golfo. Antes disso, tinha supervisionado a ocupação do Kuwait (1990-1991) e governou o país entre Agosto e Novembro de 1990, até ser expulso pelas forças multinacionais.
Mostrou uma vez mais a sua crueldade em 1999, quando, como comandante da Região Sul, esmagou uma revolta xiita contra o regime, deixando centenas de jovens e crianças sepultados em valas comuns junto a Bassorá, perto da fronteira com o Kuwait.
Em Abril de 2003 foi dado como morto pelas tropas do Reino Unido envolvidas na invasão do Iraque. A informação foi revista em Junho, depois de se verificar que al-Majeed tinha sido visto num hospital de Bagdad antes da ocupação da cidade. Esta informação acabou por se revelar verdadeira quando a 21 de Agosto os EUA confirmaram que tinha sido capturado com vida.
Durante o julgamento, Majeed confessou ter ordenado acções militares contra curdos que se recusaram a cumprir a ordem de expulsão das suas aldeias, mas nega ter ordenado o recurso a armas químicas.
Além do primo de Saddam, o tribunal condenou ainda à morte Sultan Hashim, ministro da Defesa, e Hussein Rashid, responsável adjunto de operações militares das Forças Armadas. Sabir al-Douri, director da espionagem militar, foi condenado a prisão perpétua, pena igualmente aplicada a Farhan Salih, responsável do gabinete oriental da espionagem iraquiana. Taher al-Ani, governador da província de Mossul, foi inocentado.
CAMPANHA DE EXTERMÍNIO SISTEMÁTICO
A Campanha de Anfal foi organizada em 1986 por Ali Hassan al-Majeed, com conhecimento de Saddam Hussein, para exterminar as bases de apoio dos grupos que lutavam contra o regime e pela independência da região norte do Iraque. Daí que, tendo sido uma campanha genocida, foi igualmente direccionada, em algumas áreas, para a eliminação dos jovens do sexo masculino em idade de combater. Para as acções de extermínio foram usados meios convencionais e armas químicas.
PERFIL
Ali Hassan al-Majeed (nascido em 1943) é primo de Saddam Hussein e foi seu conselheiro e responsável de operações militares. Neste cargo gozou de autoridade comparável à do presidente para ordenar acções repressivas.
SAIBA MAIS
180 mil é o número de mortos que, segundo grupos humanitários internacionais e curdos, resultou da Campanha de Anfal.
5 é o número de arguidos que a Acusação queria ver condenados à morte por envolvimento no genocídio de curdos. O tribunal condenou três deles à pena máxima e um a prisão perpétua. O último foi inocentado.
DESPOJOS DE GUERRA
A ofensiva contra os curdos foi designada com o nome de código al-Anfal (Despojos de Guerra), título do oitavo capítulo do Alcorão.REFUGIADOSDurante a campanha, milhares de curdos, entre eles mulheres e crianças, foram expulsos das suas casas enquanto outros eram torturados e executados.
DEZENAS DE TESTEMUNHASO
julgamento começou em 21 de Agosto de 2006 e permitiu ouvir dezenas de testemunhas descreverem os raides aéreos, torturas e execuções indiscriminadas.
F. J. Gonçalves com agências
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